O meu desespero foi tanto pra me livrar daquele homem, que não me lembrei das duras penas que minha irmã passava com ela, que muito a contragosto olhava o casal de filhos dela para que ela fosse buscar o sustento deles não importando da forma que fosse. Mesmo assim eu e minha irmã nos unimos para uma ajudar a outra, eu sairia pra trabalhar, e ela cuidaria das crianças que ela amava…
isso não foi de agrado da minha mãe… E ela quando era contrariada tinha acessos de raiva e agredia minha irma que ja tinha vinte anos por nada, isso me revoltava, havia fugido de um ambiente de violência e fui parar em outro, e num desses acessos dela eu impedi a agressão, arregalou os olhos para mim cheio de raiva, e entrou na casa dela, foi no quarto onde minha irmã dormia com os filhos ao lado do quarto dela, pegou todas as roupas dela e dos filhos e jogou tudo no quintal.
Ficamos as duas juntas na edicula com os nossos filhos, mas a nossa tranquilidade a incomodava, então arrancou os fios que leva a energia elétrica para a nossa casinha, e cortou o fluxo da água também… Ficamos com as sete crianças em um lugar sem água e sem luz, o desespero bateu no meu coração, naquela situação… Durante a noite saiamos em silêncio com toalhas e sabonete e íamos a praia que ficava uns três quarteirões para dar banho nas crianças e nós também, na volta numa esquina em frente a praia havia uma torneira do lado de fora de um restaurante que só abria na temporada, ali nos falávamos,e ainda traziam água em baldes para cozinhar e beber,fizemos isso por dez dias, e a minha pequena caçula que tinha alergia de mosquitos ficou com a pele muito branca que tinha coberta de feridas, e sem saber com os banhos no mar, as feridas foram fechando. Sofremos caladas por vergonha de pedir ajuda aos vizinhos por vergonha, nos viram crescer nada fizeram pra nos ajudar,sabiam o que ela fazia, mas para não entrar em conflito com minha mãe,se faziam de cegos.Quando voltávamos da praia após os banhos e armazenamento de água, ficamos trancadas dentro de casa a luz de velas que eu comprava com os recursos que eu havia trazido comigo que eu tinha guardado por muito tempo planejando fugir com meus meninos, minha irmã brincava com eles enquanto eu fazia o jantar, eu ficava olhando pra eles, enquanto brincavam e riam sem entender o que estava acontecendo, um dia em certo momento eu dei uma saída no quintal e percebi uma voz conhecida que vinha de dentro da casa da minha mãe, fiquei gelada...Era ele que estava lá… Estava mancomunado com ela pra dificultar a minha vida, para voltar pra ele… Minha cabeça girou… voltei pra trás, chamei minha irmã e contei pra ela que ficou quieta pensativa…
Nao consegui pregar o olho com medo que ele arrombasse a porta, mas estranhei o silêncio… Na manhã seguinte fui comprar o pão e o leite pras crianças e não o vi e nem ouvi a sua voz, e minha mãe ainda dormia,o que me dava a liberdade de transitar no quintal, e as crianças em silêncio colhiam frutas, pois no quintal de quinhentos metros quadrados meu avô havia plantado um pomar com frutas variadas, que fazia a festa das crianças tal qual na minha infância. Realmente ele nao estava, já havia ido embora, só veio pra alimentar a ruindade dela. Era o momento de sair daquele lugar, eu já estava trabalhando numa imobiliária, onde conheci pessoas disposta a me ajudar,sensibilizados pela minha situação e revoltados pelo tratamento que a família nos dava de abandono e omissão e arrumaram pra mim um apto na Praia do Tombo, longe dali, mobiliado e com um valor que eu poderia pagar com o meu trabalho…
Foi uma festa e a alegria das crianças ao conhecerem o novo lugar onde íamos morar, que tinha até piscina, me deu novamente a esperança de recomeçar. Minha irma não ia precisar mais roubar água do tanque da casa para dar banho nas crianças lá no fundo do quintal para que minha mãe não percebesse a água escorrendo no chão e armazenar escondido dela, porque quando chovia não podíamos levar as crianças para dar banho na praia, e a danadinha adorava fazer essa travessura e enganar a mamãe…
Agora não seria mais preciso, íamos morar com dignidade, e assim fomos levando nossa vida, eu trabalhando fora, e ela cuidando das crianças. Matriculei todos, menos a pequena, em uma escola próxima, onde iam todos os dias brincado pela rua calma daquele lugar.
Voltei a acreditar que agora tudo daria certo…
Eu trabalhava com locação de imoveis, que tinha uma considerável procura, o mercado estava bom, eu tinha experiência, e estava ganhando o suficiente para sustentar a minha nova casa com toda a ninhada…
Ficava feliz em ver meus filhos, meus sobrinhos com aquela alegria, o condomínio tinha os portões dos fundos que dava na praia, onde meus pequenos podia usufruir a vontade...Mesmo que eu não tinha muito tempo livre, mas meu coração voltou a sentir alegria…
Minhas tias, irmãs da minha mãe, que moravam no centro do Guarujá, quando me encontravam na rua, fingiam não me ver, e atravessavam a rua, e eu não entendia o porque, uma delas a mais nova, chegou a colocar o meu filho mais velho que tinha um gênio muito difícil de lidar, era exclusivista, e não gostava de ajudar os irmãos, alimentando o egoísmo dele, e dificultando a minha vida.
Mas enquanto a família agia dessa forma, amigos me ajudavam a contornar os problemas que ele causava, conversando com ele,procurando fazer ele entender que eu precisava dele, e que ele era muito importante pra mim…,coisa que ele só veio entender muito tarde…
Mesmo com esse comportamento difícil do meu filho, as coisas estavam indo bem pra nós, até o meu marido nos encontrar… Aparecia do nada no meio da semana com a desculpa de ver as crianças, eu não podia impedir, mas ele começou a vir e querer pernoitar no meu apto, e começava a dormir na sala junto com meus filhos e sobrinho, mas invadia o meu quarto pela madrugada onde eu dormia com a minha pequena, porque as outras meninas dormiam com minha irmã no outro quarto, e tentava me molestar,querendo obrigar a fazer sexo com ele, diante da recusa, ele me agredia, sai do quarto e com minha pequena nos braços que dormia, eu amanhecia na escada que dava pra sala onde os meninos dormiam, enquanto ele se esparramava na minha cama e colocava o revólver a vista do lado dele, até o amanhecer e ia embora,fazia isso porque sabia que eu não gritaria e nem faria escândalo onde eu estava morando a pouco tempo e teria vergonha… Não deixava nem um tostão para comprar um pão para os filhos.
Uma semana depois ele voltou, e eu não quis deixá-lo entrar, e então começou a me agredir no corredor na porta do apto, no que o zelador percebeu e veio ao meu socorro e o expulsou do condomínio aos empurrões e ameaçou chamar a polícia se visse ele rondar a portaria, mesmo do outro lado da rua, ele não reagia com o zelador porque era do seu feitio se acovardar com com um outro homem. Me recordo que teve uma ocasião que ele deu um tapa na cara de um garoto de 10 anos filho de um vizinho nosso, um português, inquilino do primo dele quando morávamos no Itaim, ele entrou apressado em casa e foi pro quarto e disse eu não estou, se vierem me chamar, não entendi ate o pai do garoto chamar no portão armado, e perguntou por ele, eu falei o que ele havia pedido, fiquei assustada, estava grávida de quase oito meses da minha filha do meio, e meu vizinho então me falou, que só não entrava na minha casa para desentocar ele, por respeito a mim,e que ele tinha meios e dinheiro pra tirar ele da da Polícia Militar, porque ele era muito inútil, só servia pra ficar enfiado arrumando viatura na garagem do Tatuapé, e não ia tirar o sustento do meus filhos, porque ele só sabia fazer isso na vida, e era um pinguço, mau caráter,mulherengo, que vivia contando vantagem no Bar. Mas que ele não cruzasse o caminho dele e de ninguém da família dele. Quando entrei meu marido estava escondido embaixo da cama do nosso quarto… Fiquei pasma com o que vi... Ele só era valente com mulher e criança… 30 anos depois encontrei aquele menino, tinha se tornado um advogado muito requisitado, e me abraçou quando me viu, e me disse que ele nunca esqueceu o fato, e que teve conhecimento do que havia acontecido comigo, e me falou que estaria a minha disposição caso ele viesse a me perseguir. Pensei comigo… Uma criança de dez anos não esqueceu um fato que poderia ter se transformado em uma tragédia e ter mudado o rumo do futuro dele e de toda a família … E ter ficado tão marcado nele...Imaginem então vocês o que marcou tão profundamente e comprometeu o futuro dos meus filhos por toda a vida deles, não tiveram como escapar… Carregando pela existência conflitos gerados e repetidos por muito tempo.
Minha tranquilidade ameaçada novamente, ele nas folgas voltava e começou a rondar onde eu trabalhava, me perseguia e me ameaçava, até que mudei de local de trabalho, consegui um em Sao Vicente indicada por um colega de trabalho,mas estava difícil, eu havia comprado um carro também desse casal de amigos e era meu instrumento de trabalho, e uma mudança para um outro local onde a concorrência não era nada amistosa, naturalmente influenciou na queda dos meu ganhos, e era uma batalha desleal, machista, e muitas vezes exigia de mim um tempo maior,com isso chegava mais tarde em casa muito mais cansada do que o normal. Mal tinha tempo de espairecer com meus filhos, minha irmã fazia o meu papel, porque também passei a trabalhar nos finais de semana, e apenas a noite eu e ela levamos as crianças para correr na praia em frente ao condomínio, onde sentava na areia e trocava as ideias e planejando um futuro pra todos nós com um final feliz.
Até hoje eu me pergunto o que realmente aconteceu porque minha vida virou de cabeça para baixo, um tsunami veio mudar minha história.
Precisou passar um bom tempo para que eu pudesse entender o porque de todos os acontecimento que vieram em sequência, e fizeram desses dias em diante eu protagonizar um verdadeiro filme de terror.
As consequências das ações impensadas por um ciúme doentio, um machismo descontrolado, e um desejo de posse sobre a minha vida, em nome de um amor que nunca existiu, contribuíram para que eu fosse literalmente perseguida por um regime Político que virou minha vida de cabeça para baixo.
Tudo já havia saído de controle,vivíamos no momento uma Ditadura cruel, de perseguição e morte sem explicação alguma, e com as denúncias anteriormente feitas por ele, eu estava sendo vigiada pelo serviço de informação Militar, e pelo DOPS ( Departamento de Ordem Política e Social), que não deram trégua.
Um dia quando me dirigia ao meu trabalho em Sao Vicente, como fazia todos os dias, entrei no elevador às dez horas da manhã, pois o escritório ficava no quinto andar, e junto comigo entraram dois homens, naturalmente estranhos,que apertaram o botão de parada para o terceiro andar, até aí uma atitude normal,sendo o elevador com capacidade para 8 pessoas, mas quando o elevador parou no andar que haviam solicitado, aqueles homens me obrigaram a descer, e se dirigiam para uma sala onde funcionava um escritório de contabilidade, onde mais dois aguardavam, obrigaram o único funcionário que lá estava a sair e ficar no corredor e junto com um deles, fecharam a porta por dentro e começaram a vasculhar a minha bolsa sem falar nada, nao sei o que procuravam, mas vez em quando dois deles saia da sala e o outro me vigiava, eu perguntava do que se tratava, pensei que seria um assalto, foram duas horas de silêncio e interrogações que passava pela minha cabeça,o que estaria acontecendo? E as doze horas, com o mesmo silêncio, um deles segurando o meu braço, descemos a escada que dava para a entrada do edifício, o porteiro não estava, estranhei esse fato, saímos à rua e caminhamos pela calçada até a primeira esquina, e lá estava uma Rural Willys verde água e branca, a placa era de Sao Paulo. Me colocaram no banco de trás onde fiquei no meio de dois dos homens e os outro dois sentaram na frente.
Rodaram a cidade, e também foram para Santos, conversavam entre eles como se eu não existisse, não respondiam às perguntas que eu fazia, paravam em certos lugares que eu nunca havia estado, os dois da frente, o motorista e o que estava ao seu lado desciam, momentos depois voltavam, fizeram isso em aproximadamente em uns quinze lugares, e os outros dois ficavam comigo… No final da tarde, retornaram para Sao Vicente, e lá para a Delegacia, não me recordo qual, desceram comigo e me colocaram em uma pequena cela, algum tempo depois me levaram para uma sala, que não havia janelas, as paredes estavam respingadas de sangue,duas cadeiras, uma mesa comum de madeira e em um canto cordas e um balanço tipo um trapézio, dois baldes com água e fios elétricos. fiquei lá sozinha por uma hora mais ou menos, e nesse momento o terror havia tomado conta da minha alma, a certeza que algo de muito ruim estava para acontecer já era eminente. Dois homens entraram novamente e me arrastaram para uma outra sala com uma escrivaninha cheias de pastas, um quadro com fotos, nessa um grande vitrô se destacava. Me encostaram em uma parede e entrou outro homem com uma grande máquina fotográfica, e tiraram várias fotos, inclusive sem as roupas, completamente nua, o que me constrange profundamente, e chorei copiosamente diante de toda essa exposição, riam e falavam coisas ameaçadoras..Depois retornaram comigo para aquela sala, com o meu corpo enrolado em um lençol, outro levava nas mãos as minhas roupas. Lá chegando três ficaram comigo, e começaram a fazer perguntas, me mostrando fotografias de pessoas que eu nunca havia visto, arrancaram o lençol que cobria o meu corpo e começaram a me bater, um deles dizia,só nao machuca a cara dela, tem que ficar intacta… Um deles ria...Saíram, mas logo voltavam e repetiam as mesmas perguntas que eu não sabia responder, até que um deles me jogou em cima daquela mesa e me estuprou enquanto que o outro se masturbava, depois jogaram água em cima do meu corpo e saíram… O meu maior pesadelo estava apenas começando… Não sabia mais que horas eram, sentia muito frio e dor, logo um outro entrou e jogou minhas roupas no meu rosto e mandou que me vestisse… Colocaram-me naquele carro novamente, vi que estavam indo pra Santos, lá chegando quase no final da madrugada, identifiquei o prédio da Polícia Federal, entraram comigo por uma lateral que saia em uma sala que dava em um corredor para o porão, e me colocaram em uma cela escura sem janelas completamente vazia e imunda, com um mau cheiro terrível, baratas que cobriam o teto e as paredes,ratos que corriam aos montes de um lado para o outro guinchando acho que só para marcar território… Escutava gritos, que não sabia de onde vinham...Ali passei os dias, porque á noite me tiravam de lá e rodavam a cidade da mesma forma de quando me sequestraram… Pela madrugada era espancada, e sofria abusos, além de assistir sessões de torturas de outras mulheres, uma delas grávida de quatro meses abortou durante o espancamento...Nunca pensei na minha vida de ver tamanha monstruosidades… Foram dias que eu não conseguia atinar o tempo e o espaço e o fuso horário, quando não vinham me buscar no começo da madrugada, me colocavam em celas com presas comuns onde estavam umas vintes mulheres pelo mais variados crimes, não só eu como as outras também, éramos em cinco nesse rodízio de loucura... Uma descrição do ADES, o inferno em vida… Eram todas jovens, essas mulheres que como ...
Eu não conseguia entender o porquê de tudo isso, uma o alvo era o companheiro dela queriam que ela falasse onde ele estava escondido,de duas outras o alvo eram o paradeiro de dois irmãos,outra foi pega tentando fugir do país em um navio cargueiro , no meu caso as perguntas eram sempre direcionada para as atividades de um antigo patrão do Guarujá adepto à Maçonaria,era um bom homem, me ajudou muito, o apartamento que eu estava morando com meus filhos era dele, que juntamente com sua esposa havia me alugado por um preço simbólico, não entendia o porque que aqueles homens o acusavam de contrabando de pedras preciosas,e me rotularam também,de envolvimento com o Comunismo, faziam perguntas sobre armas escondidas, explosivos que eu soubesse manipular, fotos de pessoas que eu nunca tinha visto,queriam que eu reconhecesse, me acusavam de ser uma loira misteriosa que praticava roubos em bancos e grande magazines, um absurdo pois os meus cabelos sempre foram crespos e castanhos, mas impunha a mim o uso de peruca loira,um costume que jamais tive… E até aquele momento não havia sido levada a presença de um delegado, para que se justificasse minha prisão em Santos ou São Vicente... Certo dia enquanto rodavam comigo ouvi um deles falar que eu seria levada para São Paulo dentro de dois dias….
Nesse meio tempo, o meu pensamento estava nos meus filhos, em minha irmã e sobrinhos que afinal estavam sob minha guarda, como estariam? ela sem dúvida alguma estaria desesperada com o meu desaparecimento, e eu não podia me comunicar com ninguém… O desespero tomou conta da minha cabeça, eu nao dormia a vários dias, parecia um zumbi, mal me alimentava… Não conseguia chorar, nem mesmo quando sofria intensa tortura física e psicológica, nem dor eu sentia mais, estava muito fraca para qualquer reação, a certeza da morte já estava presente dentro do meu pensamento como o desfecho para tudo isso que estava me acontecendo…
Uma noite fui tirada da cela, e me disseram que eu tinha uma visita… Visita? ????? Fiquei surpresa e esperançosa, haviam me encontrado,mas quem seria? Meu pesadelo estaria no fim? Foi quando me levaram para uma sala e lá estava minha irmã aos prantos...Ela me contava o que tinha acontecido com minha ausência, meu marido levou minha mãe até o apto,no segundo dia do meu desaparecimento, porque ele estava proibido de entrar e minha mãe entregou meus filhos para ele e levou os da minha irmã pra casa dela, e ela havia ficado para aguardar a minha volta... Disse que aqueles policiais havia revirado toda a nossa casa, procurando o que, não disseram, e também nao falavam onde eu estava… Foi aí que perguntei quanto tempo eu estava sumida, e ela me respondeu com os olhos arregalados… Dez dias… Nisso ela chorando me contou,nesse momento eles estavam do lado de fora da sala,que aqueles homens a pegaram sentada na praia e a colocaram naquele carro e ameaçaram que dariam fim nela se ela não fizesse com que eu assinasse uns papéis hoje, perguntei quais papéis? ela nao soube me responder. Me contou que não sabia onde meu marido havia levado meus filhos, e que ela estaria voltando para a casa da minha mãe, e que todos os objetos meus que estavam lá, minha mãe já tinha levado embora inclusive minhas roupas e sapatos que eram caros para vender porque era para pagar os prejuizos que eu tinha dado para minha irmã… Falou que o Zelador do Prédio estava ajudando ela muito, condoído pela situação, que levou um advogado amigo dele para ver se podia ajudar, mas com a falta de informação do meu desaparecimento nada podia fazer, porque nas delegacias da baixada santista não constava nenhuma prisão feita da minha pessoa, vasculharam os hospitais e necrotérios, mas somente eles, ninguém da minha família se manifestou ou procurou saber o que estava acontecendo.
Nisso os dois voltaram na sala com uns papéis nas mãos, colocaram em cima de uma escrivaninha e me deram uma caneta olhando para minha irmã.
Nessa altura do campeonato, sem os meus filhos não me restava mais nada, olhei os papéis vi que eram confissões de culpa de alguma coisa, que já não me interessava mais em saber, só implorei que deixassem minha irmã em paz para que ela cuidasse dos filhos dela. Assinei,sabia que disso dependia a vida de quem muito me ajudou… Pedi que queria ter a certeza que ela seria deixada em segurança no Guarujá, então me colocaram no carro junto com ela e a deixaram dois quarteirões da casa da minha mãe, com a promessa dela não comentar nada com ninguém, e ameaçaram dizendo que ela estava sendo vigiada… Olhei minha irmã parada na esquina da praia da Enseada, na Av Santa Maria estática como se fosse uma estátua de pedra colocada naquele lugar, enquanto eu me distanciava dentro daquele carro…. Com uma sensação que seria a última vez.
Dez dias...Martelava na minha cabeça, quantos mais eu aguentaria? Já não me importava viver, Ou melhor eu já estava morta… Não tinha mais motivação pra continuar a lutar… O que fariam comigo? Não me interessava mais nada.
De volta a Santos no caminho um daqueles homens ao meu lado começou a me perguntar se eu tinha dinheiro guardado, ou jóias… Se eu tivesse eles me levariam até a fronteira de um dos três países fronteiriços com o Sul do Brasil com uma carona só de ida, sem volta, porque se eu permanecesse em por aqui, não viveria muito tempo.
Tenho procurado resumir toda a narrativa desses acontecimentos, porque se escrevesse tudo minuciosamente, seria como reabrir uma ferida que demorou anos para parar de sangrar, e que a cicatriz deixou marcas profundas.
Era uma tortura psicológica constante, notei que eles estavam nervosos, inquietos, pareciam perdidos sem saber o que fazer comigo naquela altura do campeonato, quando um deles olhou no relógio, eram duas horas da madrugada, disseram que iríamos para São Paulo, e rodamos por uns 30 minutos, e entraram em um atalho que passava por um trecho em obras, acredito ser da Rodovia dos Imigrantes ao pé da Serra, o lugar era ermo escuro, que somente os faróis do carro revelavam um caminho de difícil no acesso e que chegando a uma certa altura, pararam o carro, desceram os quatro e caminham na escuridão, voltando pediram para que eu descesse e que corresse, foi quando percebi que um deles segurava uma arma na minha direção, percebi então o que estava prestes a acontecer, ia atirar nas minhas costas, naquele momento não consigo me lembrar do porque da minha atitude,continuei sentada no estribo daquele carro, que nunca mais esqueci, uma Rural Willys verde água e branca, e falei que não correria, que atirasse em mim ali, mas de frente, foi quando um deles intercedeu a meu favor, pedindo que bastasse de matança, me dessem a chance de viver em outro lugar, eles discutiram, mas resolveram me colocar de novo dentro do carro, me ameaçando a todo o momento de morte, e voltei para aquele porão imundo, da carceragem da PF.
Naquela cela pude compreender que eu havia voltado de um cemitério clandestino, e como estava desprovida de qualquer sentimento,nem medo mais eu sentia, talvez fosse melhor se tivesse morrido, porque já estava morta por dentro mesmo…
Ali passei o dia, sem saber se chovia ou fazia sol, porque nao tinha janela e nem vitrô naquele lugar,só os guinchos dos ratos e baratas cobriam aquelas paredes úmidas, eu escutava gritos, e vozes que vinham de várias direções,como em um pesadelo… Até que vieram me buscar,mas eram outros homens que eu nunca tinha visto, me levaram para uma sala, onde até lá chegar, atravessamos vários corredores com várias salas e subimos várias escadas, e me deixaram em uma sala confortável com sofás de couro preto, uma grande escrivaninha, vários livros nas estantes suntuosas a minha volta, até tapete tinha. Ali fiquei sozinha por um bom tempo, até entrar na sala um homem de meia idade, que sentou na cadeira giratória, atrás da escrivaninha e me perguntou o que eu estava fazendo ali, folheava uns papeis que estavam em suas mãos, percebi então que estava na presença de um delegado, que me olhava em silêncio, com as mãos segurando o queixo e o cotovelo na mesa, hora e meia suspirava e me olhava, perguntou o meu nome, balançava a cabeça de forma negativa. Saia e voltava varias vezes, e mantinha a mesma postura, até que chamou, que creio eu ser um investigador, mas que eu também nao conhecia, e perguntou o que eu estava fazendo ali, o que ele respondeu que também não sabia, notei que estavam nervosos.
Então para minha surpresa vi o Pubi, um Primo de segundo grau do meu marido que era investigador, do DOPS de São Paulo,havia sido um escudeiro fiel do delegado Fleury, morto em Ubatuba a um ano atrás,e que naquela época na guerra das polícias civil e militar, ele também estava sendo caçado, e eu o ajudei a fugir, fato que ajudou na denúncia que o meu marido havia feito de mim naquele caso do sumiço do revólver dele no qual fui interrogada no Serviço de Informação da Polícia Militar, ele entrou e me abraçou chorando, junto com ele mais uns dois amigos dele, que vieram de São Paulo e estavam me procurando quando a notícia do meu sumiço. Saímos pela garagem onde a viatura que havia vindo com eles de São Paulo, estava, entramos e fomos rumo ao Guarujá para a delegacia local, onde o circo estava armado, imprensa escrita de Santos,na porta da delegacia,a notícia no Guarujá correu como fogo ladeira acima, alguns amigos que haviam trabalhado comigo e o zelador do apto onde eu estava morando, antes de tudo isso acontecer também estava lá, a viatura entrou comigo no pátio, e entrei pelos fundos acompanhada pelo Pubi que abraçado comigo impedia que tirassem fotos, fui levada para a enfermaria, um médico estava a minha espera, e aquela delegacia foi tomada por um alvoroço...Fui medicada, estava debilitada, desidratada, mas viva. Todo o tempo o Pubi ficou ao meu lado, junto com ele também estava um jovem delegado, no qual ele fazia parte da equipe que viera de Sao Paulo, ao todo eram quatro.Naquele momento me senti protegida, providenciaram refeições decente para mim, e fiquei de repouso lá mesmo… O Pubi a todo momento vinha me trazer informações do que estava acontecendo, e nesse momento ele me disse que o meu marido estava lá também, mas o delegado de Sao Paulo não permitiu a entrada dele na enfermaria para falar comigo. Já era noite quando o Pubi e o Delegado amigo dele que se chamava Sérgio, foram me instruir, porque eu seria levada na presença do delegado de plantão do Guarujá, e me disseram que depois disso eu seria liberada, e que o meu marido estava lá fora com o intuito de me levar embora, estava acompanhado de dois amigos dele, no qual um eu conhecia, e que a intenção era me levar para um sitio em itanhaém e lá me matar.
Ninguém da minha família foi até a delegacia para saber o que estava acontecendo, todos enfiados em suas casas sem o mínimo de preocupação, ou saber de alguma coisa… Não queriam se envolver, era perigoso, naquele momento percebi que estava por minha conta e risco. O Pubi e sua equipe depois que fui liberada voltaram para a capital.
E foi assim que aconteceu, fui ouvida, e o delegado estranhou porque o meu ex patrão estava lá junto com o advogado dele, até então tudo estava muito confuso,mas de alguma forma eu seria responsabilizada por alguma coisa, aqueles policiais que me sequestraram, desapareceram.
Quando saí pela porta da frente da delegacia, já era quase 23hs, e não havia mais aquela confusão, eu não sabia o que ia fazer da minha vida, e nem pra onde ia… Foi quando veio ao meu encontro o zelador do prédio que eu morava junto com a esposa dele, me abraçaram e ele me deu uma soma em dinheiro para eu poder sair do Guarujá, para que meu marido nao me encontrasse… Me levou de carro até a Praia Grande onde morava um tio meu irmão mais novo da minha mãe, o Joãozinho, achei que estaria em segurança, desci em frente a casa do meu tio, e me despedi desse casal amigo que se preocuparam comigo, e que nunca mais eu os vi. Foram anjos enviados por Deus.
Bati na porta, e esperava que logo meu tio viria ao meu encontro, só que isso não aconteceu, ele apenas abriu a janelinha, e disse que não podia me receber na casa dele, era pra eu ir embora, me ofereceu dinheiro para um táxi, foi outra pancada que levei, pois eu sempre o recebia na minha casa quando ele aparecia bêbado e ninguém o queria por perto, eu cuidava dele, e ele me retribuia dessa forma? Nem chorar eu conseguia... Peguei um Táxi já no começo da madrugada naquele lugar, e fui sem rumo até o centro de Santos, fui parar na Frente do Palácio da Polícia onde o meu inferno havia se manifestado, entrei num hotel daqueles chumbregas, onde a janela dava bem pra frente de lá, pedi um quarto,com banheiro, eu só queria tomar um banho e dormir, porque eu já estava no meu limite, minha cabeça doía como se fosse estourar… Tomei um banho demorado, lavei as roupas que eu estava, estendi pelo quarto, e deitei na cama, querendo dormir e acordar como se tudo que havia acontecido tinha sido apenas um pesadelo.
Mas não foi isso que aconteceu… A saga ainda só estava no começo...mas isso eu vou relatar em um novo capítulo, logo mais...Porque esses acontecimentos que hoje narro, ainda doem na alma...Recordar para escrever é um exercício mórbido da memória.
Que vou aos poucos relatando por um pedido que me foi feito pelo meu filho, nos últimos anos que passamos juntos quando da sua volta para o Brasil depois de uma longa ausência de 13 anos, hoje já na Glória do Senhor, a SUA VERDADE deve ser conhecida, assim ele falava. E o titulo escolhido por ele foi "CRÔNICAS e CÓLICAS um TESTAMENTO de DOR".Conversávamos por horas a fio, por noites as vezes intermináveis até horas avançadas na madrugada, ele era saudosista,apegado à lembranças, onde era sempre um conflito e um confronto das alegrias e das dores, como dizia que a vida dele era um mistura do certo com o errado, do real até o irreal, um caleidoscópio, quase um alienígena. Sonhador, Viajante do tempo e do espaço.
A ele que também foi protagonista dessa história de horror, como seus irmãos, que acabaram perdendo o poder de afetividade pela Alienação Parental que sofreram por todos esse anos por conhecerem só um lado da história, onde foram condicionados a aceitar a mentira do abandono.
O tempo tem colocado à tona histórias de sofrimentos com muita semelhança, como a vivida por mim, e ainda com muito pouca solução, mesmo 40 anos depois, muitas mulheres perderam suas vidas, ficaram mutiladas, desonradas, humilhadas, e tendo como coadjuvantes no sofrimento os Próprios filhos, a família destruída em nome de um sentimento de posse,que usa a máscara do ciúme, e travestido de amor.